Anticoncepção na Adolescência
- IntroduçãoUsar ou não usar métodos anticoncepcionais na adolescência? É uma pergunta que os/as profissionais de saúde, as famílias e até as próprias adolescentes se fazem. Pode um/a médico/a prescrever um método anticoncepcional para adolescentes sem autorização dos pais? A partir de que idade? Quais são os riscos dos métodos anticoncepcionais para adolescentes? Qual é o melhor método para adolescentes? Oferecer métodos anticoncepcionais para adolescentes pode estimular o início mais precoce da sua vida sexual? Os métodos são prejudiciais para a saúde e para a fertilidade futura de adolescentes?
Para responder a essa e outras interrogações abordaremos o tema, discutindo os seguintes temas:
a) Aspectos legais da anticoncepção para adolescentes.
b) Como aumentar o uso de anticoncepcionais por adolescentes.
c) Perguntas frequentes sobre anticoncepção em adolescentes. - Aspectos Legais da Anticoncepção para AdolescentesO Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera adolescentes as pessoas entre 12 e 18 anos. Pela classificação da OMS e do Ministério da Saúde, que rege as políticas de saúde no país, são adolescentes as pessoas de 10 a 19 anos completos.
A primeira pergunta é: um/a médico/a pode prescrever um método anticoncepcional para adolescentes sem autorização dos pais?
De acordo a uma série de leis, acordos nacionais e internacionais e documentos oficiais, a resposta é SIM! Adolescentes têm direito à saúde e à saúde sexual e à saúde reprodutiva, que inclui o acesso a informações e uso de métodos anticoncepcionais.
“As Diretrizes Nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens fundamentam-se no reconhecimento de que adolescentes e jovens são “pessoas com direitos”, em processo de desenvolvimento, que requerem uma atenção especial ao conjunto integrado de suas necessidades físicas, emocionais, psicológicas, cognitivas, espirituais e sociais. Essas diretrizes representam também o compromisso de que, as e os adolescentes devam ser tratados/as como sujeitos de direitos, assume-se o compromisso de implementar ações no Sistema Único de Saúde ( SUS), em todos os seus níveis, dirigidas a atender às suas necessidades” (Saúde sexual e saúde reprodutiva: um direito de adolescentes : Guia para UBS e ESF / Ministério da Saúde)
Esse compromisso determina que se deva garantir atenção em saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, incluindo o acesso a métodos anticoncepcionais.
O Marco Legal de Atenção de Adolescentes no Brasil deixa bem claro: “Dessa forma, qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável”.
“Caso a equipe de saúde entenda que o usuário não possui condições de decidir sozinho sobre alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as intervenções urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara a necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento” (Marco legal: saúde, um direito de adolescentes / Ministério da Saúde).
Além disso, pelo código legal brasileiro e o código de ética médica, o/a médico/a deve manter a confidencialidade e o sigilo no atendimento de adolescentes.
Isto significa que adolescentes podem ser atendidos/as desacompanhados/as e têm o direito a serem atendidos/as com confidencialidade, com qualidade, e têm o direito de escolher de maneira livre e informada um método anticonceptivo. Os/as médicos/as têm o dever de contribuir para o exercício pleno desse direito reprodutivo que é escolher o método anticonceptivo oferecendo informação atualizada e orientação com base em evidências científicas. Isto significa utilizar os critérios médicos de elegibilidade e respeitando o direito de escolha da adolescente. Há respaldo legal suficiente para que realizem essas ações de informação, orientação e atenção com responsabilidade e sem medo.
- Como aumentar o uso de anticoncepcionais por adolescentesPor que muitas adolescentes que não desejam engravidar não usam métodos anticoncepcionais? Como atender às necessidades insatisfeitas em anticoncepção dessas pessoas?
Há muitas razões pelas quais adolescentes não usam métodos anticoncepcionais. Algumas estão relacionadas com a não aceitação dos adultos do direito de adolescentes de ter vida sexual. Isso traz como consequência que adolescentes iniciem a sua vida sexual sem planejamento e sem medidas de prevenção, porque elas referem que não estavam pensando em ter relações sexuais, simplesmente aconteceu! Além disso, existem muitas barreiras de acesso aos serviços de saúde com profissionais não preparados que as julgam e/ou não aceitam que adolescentes, em especial com menos de 15 anos, tenham vida sexual. Também há outras barreiras vinculadas à desinformação dos/as profissionais de saúde sobre os aspectos legais ou porque pensam que o uso da anticoncepção pode causar problemas de saúde.
Apesar dos esforços realizados nos últimos anos para melhorar o acesso de adolescentes a métodos anticoncepcionais em serviços de boa qualidade, o número de gravidezes não planejadas nessa população ainda é bem maior que o desejado; as taxas de fecundidade em mulheres de 15-19 anos ainda são altas se comparadas com países desenvolvidos.
Nos países da América Latina, uma de cada 3 mulheres são mães antes de completar 20 anos, o que traz muitas consequências psicossociais e econômicas, em especial para as adolescentes.
A redução da fertilidade em adolescentes nos países da América Latina, incluindo o Brasil, é uma das prioridades, talvez a mais importante em saúde sexual e reprodutiva. Sabe-se que a redução das taxas de gravidezes não planejadas tem um efeito importante na diminuição da morbimortalidade materno-infantil e do número de abortos inseguros. Além do mais, por aumentar o intervalo entre os nascimentos, tem um efeito positivo sobre o estado nutricional e desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. Os efeitos sociais e econômicos também são importantes. A redução das gravidezes não planejadas contribui para aumentar o número de adolescentes que continuam estudando, o que lhes permitirá conseguir melhores oportunidades de trabalho e melhorar o nível socioeconômico contribuindo, assim, para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
As gravidezes em adolescentes, na sua grande maioria, não são planejadas e muitas delas ocorrem em mulheres que não estão usando método anticoncepcional, embora não estejam planejando engravidar, ou estão usando algum método anticoncepcional de maneira errada ou até algumas que suspenderam o uso do método por causa de boatos ou rumores sobre supostos efeitos “maléficos” dos anticoncepcionais. Também não é infrequente encontrar algumas adolescentes que referem que o/a médico/a suspendeu o uso de algum método ou não autorizou a usar outro método pelo fato dela ser adolescente. Outros/as médicos/as, mesmo quando uma adolescente procura para solicitar um método, têm “medo” de prescrever anticoncepção, em especial para adolescentes entre 10 e 14 anos, por medo dos efeitos colaterais dos métodos, por medo da família, e por desconhecer que adolescentes têm direito à anticoncepção igual que as e os adultos.
Muitos governos, empenhados em diminuir a gravidez não planejada em adolescentes, têm testado diferentes estratégias que incluem diferentes abordagens, algumas destinadas a estimular e promover que adolescentes não tenham relações sexuais, outras têm focado em implantar serviços exclusivos ou clínicas de adolescentes.
Nos Estados Unidos e outros países da América Latina foi testada a estratégia de promover a abstinência entre as e os adolescentes, isto significa aprender a dizer não a uma relação sexual e postergar o início das relações sexuais. A avaliação dessa estratégia mostrou que houve aumento das gravidezes e das infecções de transmissão sexual.
Ao contrário, um estudo realizado nos Estados Unidos, entre 2007 e 2011, no qual se ofereceram gratuitamente todos os métodos anticoncepcionais disponíveis, de maneira livre e informada, incluindo os métodos de longa duração (Implantes, DIU LNg e DIU com cobre) a uma população de baixos recursos, mostrou que as adolescentes, em sua grande maioria, escolheram um método de longa duração (Long Acting Reversible Contraception - LARC) 12,4% implantes, 10,5% DIU com cobre e 46,9% DIU-LNg, ou seja, 69,8% escolheu um método de longa duração. Houve uma maior taxa de continuação e uma menor taxa de gravidezes não intencionais nas mulheres usando um método de longa duração comparado com as mulheres que escolheram outros métodos escolhidos. (CHOICE Project).
Com base nesse estudo, houve uma Declaração de Consenso publicada recentemente por Family Planning 2020*:
• Oferecer acesso a mais ampla gama possível de opções anticoncepcionais, incluindo os métodos anticoncepcionais reversíveis de longa duração (implantes e DIU, hormonal e com cobre) a todas as adolescentes e jovens sexualmente ativas, independentemente de sua idade e paridade.
• Assegurar que os métodos reversíveis de longa duração sejam oferecidos e estejam disponíveis entre as opções essenciais na educação sobre anticoncepção e na orientação em planejamento reprodutivo nos serviços de saúde.
• Oferecer informação baseada em evidência científica a tomadores de decisão, autoridades, gerentes de programas, provedores/as de serviços, comunidades, famílias e jovens sobre a segurança, efetividade, reversibilidade, custo-efetividade, aceitabilidade, alta taxa de continuação e os benefícios não contraceptivos dos métodos reversíveis de longa duração para as adolescentes e jovens que desejam evitar uma gravidez.
Embora existam muitas opções anticoncepcionais e evidências científicas de que a idade não é restrição para o uso de nenhum método anticoncepcional reversível, ainda as/os adolescentes precisam vencer muitas barreiras, as próprias barreiras internas de se reconhecerem como sujeitos/as de direitos e assumir a responsabilidade de iniciar a vida sexual, como as barreiras externas colocadas pelas famílias, pelos serviços de saúde e pelos/as profissionais de saúde, que, por razões culturais, muitas vezes não aceitam a vida sexual de adolescentes ou restringem o uso da anticoncepção ou de determinados métodos anticoncepcionais por adolescentes.
A Reprolatina visando melhorar o acesso de adolescentes aos métodos anticoncepcionais implementou e avaliou as seguintes estratégias:
Educação integral em sexualidade nas escolas: Há evidencias de que a educação integral em sexualidade deve ter como foco a igualdade de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos, de maneira que as adolescentes se empoderem e possam dizer não a uma relação sexual desprotegida e possam tomar decisões autônomas sobre quando iniciar a vida sexual e, se decidirem iniciar, procurar atenção de um/a profissional de saúde para utilizar anticoncepção. A educação integral em sexualidade é um processo educativo contínuo sistematizado sobre a sexualidade e seu exercício responsável com base nos direitos humanos, na equidade de gêneros, no respeito às diversidades e no conhecimento científico.
Esse processo educativo, que visa à formação integral de crianças e adolescentes como cidadãos e cidadãs, deverá promover o empoderamento pessoal e social e a construção de projetos de vida mais saudáveis.
Capacitação de profissionais de saúde, educadores/as e famílias: A capacitação deve ter como base os marcos de referência da saúde e da educação, os aspectos legais e as informações com base em evidências científicas. Conteúdos como sexualidade, gênero, os direitos sexuais e reprodutivos e empoderamento são cruciais para as transformações pessoais e sociais esperadas para o exercício pleno dos direitos e a melhoria da saúde sexual e reprodutiva. A metodologia utilizada nas capacitações também é fundamental, e deve ser participativa, libertadora e empoderadora.
Participação de adolescentes como sujeitos/as e não como objetos dos programas: A capacitação de adolescentes para atuarem como agentes voluntários/as de saúde realizando ações educativas de prevenção e atuando como mobilizadores/as dos seus direitos sexuais e reprodutivos é uma estratégia avaliada com sucesso pela Reprolatina, porque adolescentes se comunicam e têm mais confiança para perguntar a outros/as adolescentes. Esses/as adolescentes capacitados/as se tornam referência em suas escolas e contribuem para que seus/suas pares adotem atitudes e comportamentos de autocuidado e prevenção.
Integração escola, unidade de saúde e comunidade: Profissionais de saúde vão à escola para abordar temas de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a entrega da caderneta da/do adolescente preconizada pelo Ministério da Saúde. Também apoiam as ações educativas realizadas pelos/as adolescentes capacitados/as como adolescentes voluntários/as de saúde (AAVS) . Adolescentes são referidos para a unidade de saúde para realizar a consulta de adolescentes. As/os AAVS atuam como uma ponte nessa integração entre a unidade e a escola. A criação de um comitê intersetorial também foi avaliada como uma ação importante para integrar a escola, a saúde e a comunidade.
Implantação da consulta integral de saúde de adolescentes: Seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde, a atenção de adolescentes deve ser realizada na atenção básica. Para facilitar que adolescentes vão à unidade de saúde, deve-se organizar a atenção de maneira a deixar um ou dois períodos da semana para atendimento específico (não exclusivo) de adolescentes. Na consulta integral devem-se identificar as necessidades de anticoncepção, bem como outras necessidades em saúde sexual e reprodutiva.
Organização do fluxo e da referência interna de adolescentes: Definir um/a profissional que seja referência para adolescentes na unidade permite que a referência externa e a interna funcionem. É importante realizar oficinas educativas com toda a equipe de saúde para que compreendam seu papel e possam realizar a referência interna de adolescentes. Por exemplo, do dentista para a enfermeira para participar da ação educativa de métodos anticoncepcionais. Isto permite também diminuir as barreiras para que adolescentes consultem e iniciem o uso de métodos anticoncepcionais.
Componente educativo que inclua informação, ação educativa, orientação separada da consulta: Importante diferenciar cada um dos componentes para melhorar os resultados. Por exemplo, a informação pode ser feita por um mural informativo, um minuto informativo, mensagens, folhetos. A ação educativa sobre métodos anticoncepcionais deve ser feita em grupo e incluir informações sobre todas as opções, mesmo que elas não estejam disponíveis no setor público. A orientação é individual, para que a adolescente possa escolher o método e o/a médico/a verificar os critérios médicos de elegibilidade. A consulta é o momento em que já se inicia o método. A orientação pode ser feita durante a consulta.
Disponibilidade de toda a gama de métodos anticoncepcionais: É direito das pessoas ter acesso à gama de métodos disponíveis nas normas do Ministério de Saúde e é dever do Estado garantir que esses métodos estejam disponíveis. A falta ocasional ou permanente de alguns métodos limita o direito de escolha livre e informada, elemento fundamental da qualidade de atenção. Adolescentes podem usar os mesmos métodos anticoncepcionais que as mulheres adultas.
- Perguntas Frequentes
- Referências- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. – Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
- 60 p.: il. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos)
- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem. Saúde sexual e saúde reprodutiva: um direito de adolescentes: guia para UBS e ESF / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011. xx p.: il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde)
- PORTAL BRASIL. Brasil reitera compromisso com o Consenso de Montevidéu. http://www.brasil.gov.br/governo/2014/11/brasil-reitera-compromisso-com-o-consenso-de-montevideu Acesso em: 10 set. 2015
www.familyplanning2020.org/resources/10631
www.familyplanning2020.org/resources/10815
www.choiceproject.wustl.edu/#CHOICE
- Organización Mundial de la Salud. Departamento de Salud Reproductiva e Investigaciones Conexas.
Recomendaciones sobre prácticas seleccionadas para el uso de Anticonceptivos. Tercera Edición, 2018.