Direitos Sexuais e Reprodutivos
- Direitos HumanosDe maneira geral, “os direitos são um conjunto de leis ou princípios que regulam as relações sociais, ou seja, são as normas criadas em cada sociedade para orientar a vida em comum: o que se pode, ou não, fazer, que garantias os cidadãos e cidadãs têm do Estado, definindo o que é importante e quais são as responsabilidades de cada um”. (Juventudes e os Direitos Sexuais e Reprodutivos, Reprolatina, 2017)
No tocante às responsabilidades de cada um frente ao exercício de seus direitos e consequências, é fundamental sempre considerar o que Sônia Côrrea ressalta sobre o termo direito, que o mesmo “implica na capacidade de tomar decisões autônomas, de assumir responsabilidades e de satisfazer necessidades, ambas no campo individual e coletivo".
Segundo a organização das nações unidas (ONU) “Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”. E eles “incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”.
Portanto, todas as pessoas têm direitos e merecem exercê-los, porém, não há exercício de direitos sem o devido reconhecimento e consideração sobre as responsabilidades e possíveis consequências individuais ou coletivas decorrentes do seu exercício. - Direitos Sexuais e Direitos ReprodutivosUm breve olhar na história mostra que a luta pelos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos se confunde com a luta das mulheres pela igualdade de gênero. Luta esta, que tem importantes movimentos pelo direito à educação e ao voto em meados do século XIX e primeira metade do século XX. Mas, é nas décadas de 60 e 70 do século passado, que se fortalece a luta dos grupos feministas pela igualdade plena de direitos entre mulheres e homens, pela desconstrução dos papéis sociais de mulheres e homens para romper com a opressão da sociedade patriarcal sobre as mulheres, e pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária entre homens e mulheres.
Um dos pontos relevantes dessa luta das mulheres, nesse momento, foi a discussão sobre o direito de decidir sobre seu próprio corpo, da qual nasce uma frase que percorreu o mundo “Esse corpo é meu... esse corpo me pertence”. Nesse contexto, começam também as reivindicações sobre o direito ao prazer, e à liberdade para decidir ter relações sexuais não somente para reproduzir e atender aos desejos e necessidades dos maridos, conforme eram as regras impostas pela sociedade.
No Brasil, no início da década de 80, os movimentos de mulheres passam a ter uma atuação importante na luta pela democracia, por justiça social e pelos seus direitos, tendo como prioridade a saúde da mulher e os direitos sexuais e reprodutivos. Essa luta se fortalece ainda mais com o advento da Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, que destacou como essenciais e prioritários os temas da saúde da mulher, dos direitos sexuais e reprodutivos, e o papel das mulheres no desenvolvimento global, indo além dos objetivos puramente demográficos, e enfatizando o desenvolvimento do ser humano. Essa conferência é um marco histórico importante no debate sobre população e desenvolvimento, porque, a partir dela, as questões relacionadas aos direitos humanos passam a ter uma nova prioridade.
Entretanto, cabe ressaltar que, para chegar a um acordo entre as nações participantes sobre novas diretrizes globais sobre população e desenvolvimento, os direitos sexuais não foram reconhecidos devido à influência de países conservadores, e, por isso, eles ficaram incluídos como parte dos direitos reprodutivos. Outro avanço importante dessa conferência foi o reconhecimento dos direitos reprodutivos como parte dos direitos humanos.
Somente na IV Conferência Internacional da Mulher, realizada em Pequim na China em 1995, é que os direitos sexuais foram definidos de maneira separada em relação aos direitos reprodutivos. Nela, além de reafirmar os acordos estabelecidos no Cairo, também se avançou numa plataforma de ações com ênfase na promoção da igualdade entre os gêneros em todas as esferas: educação, economia, mercado de trabalho, meio ambiente, direitos humanos, violência, situações de conflito, comunicação e mídia e em relação a condições específicas para as meninas.
A conquista dos direitos sexuais também foi possível porque os grupos feministas se uniram com o movimento LGBT, já que a sexualidade era considerada um domínio crucial para conseguir a igualdade de gênero.
“Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito de controle e decisão, de forma livre e responsável, sobre questões relacionadas à sexualidade, incluindo-se a saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens no que diz respeito à relação sexual e reprodutiva, incluindo-se o respeito à integridade, requer respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades pelos comportamentos sexuais e suas consequências”. (HERA: Health, Empowerment, Rights & Accountability)
É importante ressaltar que o Brasil é signatário dos acordos internacionais definidos nessas duas conferências, bem como de outras, que reconheceram os direitos sexuais e os direitos reprodutivos como direitos humanos fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. E esses direitos passaram a ser marcos conceituais na definição das diferentes políticas públicas, suas diretrizes e normas para a saúde sexual e reprodutiva, além de servir de parâmetros para leis que garantam uma maior justiça social.
Apesar disso, esses direitos ainda são desconhecidos por uma parcela importante da sociedade, ou ainda, não são compreendidos como fundamentais para a saúde, o bem-estar, o exercício da cidadania e consequentemente uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas.
Por isso, é fundamental divulgá-los continuamente para que todas as pessoas os conheçam, e possam exercê-los, pois, o primeiro passo para o exercício de um direito é o conhecimento desse direito.
Por exemplo, no que diz respeito a adolescentes e familiares, para conseguir que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos sejam conhecidos e compreendidos, a escola tem um papel fundamental incorporando o ensino da Educação Integral em Sexualidade (EIS), que também é um direito e tem respaldo legal no país.
A seguir, estão relacionados os direitos sexuais e os direitos reprodutivos respectivamente.
Os Direitos Sexuais são os direitos relacionados à expressão e vivência da sexualidade com prazer e livre de discriminação, e incluem os direitos: • De viver a sexualidade sem medo, vergonha, culpa, falsas crenças e outros impedimentos à livre expressão dos desejos.
• De viver a sua sexualidade independente do estado civil, idade ou condição física.
• A escolher o/a parceiro/a sexual sem discriminação, e com liberdade e autonomia para expressar sua orientação sexual, se assim desejar.
• De viver a sexualidade livre de violência, discriminação e coerção, e com o respeito pleno pela independência corporal do/a outro/a.
• Praticar a sexualidade independente de penetração.
• A insistir sobre a prática do sexo seguro, para prevenir gravidez não desejada e as doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV-Aids
• À saúde sexual, a qual exige o acesso a todo tipo de informação, educação e a serviços confidenciais de alta qualidade sobre sexualidade e saúde sexual.
Os Direitos Reprodutivos são os direitos básicos de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos/as e de ter a informação e os meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Incluem os direitos:
• Individual de mulheres e homens em decidir sobre se querem, ou não, ter filhos/as, em que momento de suas vidas e quantos/as filhos/as desejam ter.
• De tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência.
• De homens e mulheres participarem com iguais responsabilidades na criação dos/as filhos/as.
• A serviços de saúde pública de qualidade e acessíveis, durante todas as etapas da vida.
• À adoção e ao tratamento para a infertilidade.
Como mencionado anteriormente, os Direitos Sexuais e os Direitos Reprodutivos estão relacionados a diferentes leis nacionais, estaduais e municipais. Portanto, nossa integridade física, social e psicológica, as relações sociais sadias, o exercício da cidadania, devem ser protegidas pela legislação, independentemente de sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Conhecer as leis é uma das formas importantes para termos nossos direitos respeitados e garantidos.
Uma dessas leis prevista na constituição trata do direito à anticoncepção. - Direito à anticoncepção - ConstituiçãoO planejamento familiar é um direito das pessoas assegurado na Constituição Federal e na Lei n° 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o § 7º do artigo 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, e deve ser garantido pelo governo. Artigo 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto na Lei.
Isto significa que qualquer pessoa tem o direito de escolher e ter acesso aos métodos anticoncepcionais para prevenção de uma gravidez não planejada, incluindo adolescentes, cuja Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens segue as Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e de Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde do Ministério da Saúde e reconhece as/os adolescentes como sujeitos de direitos e, portanto, que adolescentes e jovens têm direito ao acesso a informações e educação em saúde sexual e saúde reprodutiva, acesso aos serviços de planejamento reprodutivo, e aos meios e métodos que os auxiliem a evitar uma gravidez não planejada e a prevenir infecções sexualmente transmissíveis e o HIV-Aids, respeitando-se a sua liberdade de escolha. - Situação atual dos DSDRComo dito anteriormente, muitas pessoas ainda não conhecem os Direitos Sexuais e os Direitos Reprodutivos ou têm uma visão distorcida sobre os mesmos, seja por razões religiosas, morais ou mesmo ideológicas, sem compreendê-los muito bem e entender sua importância para a saúde, bem-estar, desenvolvimento pessoal e social e cidadania de uma pessoa, bem como para o desenvolvimento social e econômico de um país e para relações mais igualitárias, harmoniosas e justas entre as pessoas.
Se as pessoas não conhecem ou têm uma visão deturpada sobre os mesmos, não têm como exercê-los ou mesmo reivindicar que o Estado garanta e proteja esse exercício de maneira justa e igualitária. Isso faz com que haja um aumento da vulnerabilidade dessas pessoas na área da saúde sexual e reprodutiva (SSR) ficando sujeitas a um aumento nos riscos de uma gravidez não planejada, de infecções sexualmente transmissíveis e do HIV-Aids, violência e abuso sexual, e outros agravos na área da saúde sexual e reprodutiva.
Se antes já havia algumas dificuldades na divulgação e conhecimento da população sobre esses direitos, o retrocesso que tem havido atualmente no campo dos Direitos Humanos tem dificultado essa divulgação e a aplicação das políticas públicas, que já estavam consolidadas e amparadas em amplos documentos, marcos legais e diretrizes. E a avaliação da situação atual mostra muitos pontos críticos que precisam ser trabalhados para garantir o exercício desses direitos pela população (adultos, jovens e adolescentes) e contribuir para uma diminuição de suas vulnerabilidades.
São eles:
• A pouca divulgação dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos nas unidades básicas de saúde e no programa estratégia de saúde da família.
• Em geral, os/as próprios/as profissionais da área da saúde sexual e reprodutiva não conhecem esses direitos, não estão atualizados/as ou não receberam esse conteúdo na faculdade.
• Adolescentes não são reconhecidos como sujeitos de direitos, inclusive no tocante às relações sexuais, com capacidades de tomar decisões e nas unidades de saúde têm restringido seu acesso a informações nessa área, bem como aos métodos anticoncepcionais e aos preservativos, principalmente pela desatualização de profissionais nas áreas técnicas e legais.
• Nas escolas, os Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, em geral, não são abordados. Temas na área da sexualidade continuam sendo tratados de forma restrita no campo biológico e da reprodução e não de maneira abrangente como preconizado pelos acordos internacionais, estudos científicos e pelas políticas públicas do país sobre a educação integral em sexualidade (EIS).
• As desigualdades de gênero produzidas por uma sociedade machista que mantém as mulheres numa condição de inferioridade em relação ao homem, com menos direitos, incluindo os sexuais e os reprodutivos, e menos oportunidades na sociedade.
• A falta de reconhecimento da diversidade sexual e dos próprios Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos por setores da sociedade, principalmente grupos conservadores e religiosos, que pregam uma sociedade heteronormativa e machista. O que promove distorções e má compreensão sobre esses direitos e sobre sua importância para uma sociedade menos discriminatória, mais justa, igualitária e saudável.
A sociedade brasileira avançou muito nos últimos anos na questão dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e na aplicação de políticas públicas baseadas nesses direitos, mas fica patente que ainda há muito por se fazer para que se amplie o exercício desses direitos para uma parcela importante da população, que não os conhece ou tem uma ideia distorcida dos mesmos, e tampouco conhecem as leis que os respaldam.
É preciso continuar informando, educando as pessoas sobre esses direitos e as leis que os respaldam e facilitando seu exercício, de maneira que se avance no objetivo de se construir uma sociedade mais justa, igualitária e harmoniosa em suas relações, onde todas as pessoas sejam respeitadas independentemente de sexo, raça, etnia, credo, orientação sexual, entre outras diferenças.
Finalmente, é importante salientar que o conhecimento das Leis e dos canais de denúncia do país é uma das formas importantes para conseguir que os nossos direitos sejam respeitados e garantidos.
- Referências- Juventudes e os Direitos Sexuais e Reprodutivos - Guia sobre direitos, leis e a participação social e política das/os jovens . Campinas. Reprolatina.2017.
- BRASIl. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. /Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas. Estratégicas, Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem. – Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 132 p.: il. - (Série A. Normas e Manuais Técnicos) ISBN: 978-85-334-1680-2.
- Constituição Da República Federativa do Brasil. 1988
- CABRAL, F.; DIAZ, M. Relações de gênero. Cadernos afetividade e sexualidade na educação : um novo olhar. Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. Fundação Odebrecht. Belo Horizonte: Rona, 1999. p. 142-50.
- ORGANIZAÇÃO NAS NAÇÕES UNIDAS. BRASIL. O que são os Direitos Humanos . Disponível em < https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/ > Acesso em: 09 jul.2020.
- HEALTH, EMPOWERMENT, RIGHTS & ACCOUNTABILITY. HERA. Action Sheets. International group HERA: Health, Empowerment, Rights & Accountability, Secretariat at International Women’s health Coalition, 2001. Disponível em: < http://www.iwhc.org/storage/iwhc/docUploads/HERAActionSheets.PDF?documentID=52 > Acesso em: 4 ago. 2009.