Orientação em Anticoncepção
- IntroduçãoAtualmente, o planejamento reprodutivo e o uso de métodos anticoncepcionais é considerado, na grande maioria dos países do mundo, um direito de homens e mulheres, que inclui o direito a decidir ter ou não ter filhos, quantos ter e quando tê-los. Isso inclui que mulheres e homens, adolescentes, jovens e adultos, devem ter acesso a métodos anticoncepcionais efetivos e seguros, que não ofereçam riscos para a saúde e o direito a poder escolher, entre eles, o método que considerem mais apropriado, de acordo às suas características e aos planos reprodutivos no momento da escolha.
Apesar de ser um direito, ainda hoje, milhões de pessoas não têm acesso à anticoncepção e muitas não conseguem o método mais apropriado porque não tem acesso a serviços de boa qualidade, que garantam a eleição livre e informada, oferecendo uma gama ampla de métodos anticoncepcionais e serviços de orientação de boa qualidade. Além disso, como consequência de uma sociedade machista que constrói papeis desiguais de gênero, as mulheres não aprendem a tomar decisões autônomas sobre suas vidas.
Muitas vezes, as mulheres não vão aos serviços para iniciar um método anticoncepcional por imposição do marido ou companheiro que não aceita que ela use anticoncepção. - Eleição livre e informada (ELI)Há consenso de todas as instituições nacionais e internacionais em que respeitar o direto e ajudar às pessoas a que possam fazer uma ELI é o principal atributo dos serviços de boa qualidade em anticoncepção. Há evidências muito claras que quando a pessoa teve acesso a ELI, tem chances muito mais altas de que o uso do método seja satisfatório, efetivo e sem problemas de saúde e, consequentemente, possa usá-lo todo o tempo em que precisa proteção contra a gravidez. Estudos comparativos com usuárias que usam métodos que lhes foram indicados pelo profissional de saúde comparados com usuárias que usam métodos escolhidos por elas, mostram que quando o método é indicado pelo profissional, uma porcentagem maior de mulheres interrompe o uso do método.
O conceito é muito claro e as pessoas, intuitivamente, entendem o que é “eleição livre e informada”. Entretanto, colocar em prática esse conceito não é tão fácil, uma vez que as mulheres muitas vezes esperam e querem transferir a decisão para o médico, esperam que o médico decida por elas, por outro lado o médico também pensa que sabe o que é melhor para a usuária e muitas vezes influencia a decisão. É fácil tomar uma decisão livre e informada quando a pessoa não está sendo coagida ou influenciada e está bem informada sobre o que escolherá. Em anticoncepção, frequentemente, as decisões são excessivamente influenciadas pelos provedores e por outros fatores sociais e as usuárias não tem informações fidedignas (com base em evidencias) para tomar uma decisão realmente informada.
Existe acordo na comunidade internacional em que há cinco componentes que permitem que as usuárias possam fazer uma eleição livre e informada.
1. O serviço deve ter uma ampla gama de opções disponíveis. Idealmente o serviço deve poder oferecer todos os métodos disponíveis no país e possibilidades de referir para outro centro às mulheres que escolham um método não disponível transitória ou permanentemente no serviço.
2. O processo de tomada de decisão deve ser livre. O/a profissional de saúde deve facilitar o processo de tomada de decisão, levando a usuária a pensar sobre as características dos métodos e as suas próprias características e projeto de vida reprodutiva. Se deve oferecer informação completa, atualizada e imparcial sobre todos os métodos que a mulher possa considerar como opções viáveis. Deve-se identificar os mitos e crenças que a usuária tenha e explicar com evidencias a informação atualizada. Não se pode falar de decisão informada quando é aceita a decisão da mulher que chega com uma decisão tomada sem conhecimento completo sobre todas as opções semelhantes disponíveis.
3. Os serviços devem oferecer uma relação cordial, de confiança, que facilite a interação cliente-provedor e deve oferecer orientação individual para definir a escolha.
4. Deve haver um contexto social e legal que apoie a implementação das decisões. - O que é a orientação em anticoncepção? Orientação em anticoncepção é um diálogo ou interação de pessoa para pessoa (eventualmente pode ser de um provedor com um casal) através do qual o/a profissional de saúde AJUDA uma pessoa (usuária do serviço) adolescente, jovem ou adulta, a escolher um método anticoncepcional que seja adequado para ela, tomando em conta suas preferências, situação de vida, características dos métodos, considerando também as condições de saúde que poderiam fazer que o método preferido como primeira escolha pudesse não ser recomendável de acordo aos critérios médicos de elegibilidade de uso de anticoncepcionais da OMS.
Essa “AJUDA” pressupõe e requer que o provedor deve respeitar o direito à liberdade de escolha ou eleição, ou seja, reconhecer o direito e a capacidade da pessoa (adulta ou adolescente) de tomar decisões autônomas, depois de analisar as opções, tendo completa informação sobre elas.
Isso não significa que o/a orientador/a ficará numa atitude passiva, senão que ajudará à usuária a pensar em todas as variáveis que poderão definir a decisão, sem influenciar sua decisão com argumentos baseados em preconceitos, informação desatualizada ou opiniões pessoais sem base em evidências científicas.
No caso de que a mulher tenha alguma condição médica, classificada em categoria 3 ou 4 dos critérios médicos de elegibilidade para o método escolhido, o/a orientador/a deverá explicar muito bem que significam essas categorias (categoria 3 significa que o risco de saúde de usar o método com essa condição supera os benefícios do uso do método e categoria 4 que significa que o uso do método representa um risco de saúde inaceitável para mulheres com essa condição). Obviamente, havendo condições categoria 4, o/a orientador/a deverá solicitar que ela escolha outro método e ajudar à mulher a tomar essa decisão. - Como fazer a orientação? (Passos da orientação)• O primeiro passo da orientação é buscar criar um vínculo positivo com a usuária mediante uma relação cordial que crie um ambiente de confiança. Nessa etapa, o/a orientador/a deve assegurar que a conversação será numa sala privada, que ninguém estará escutando o diálogo e deve garantir a confidencialidade, ou seja, toda a informação deverá ser mantida em sigilo.
• Identificar qual é o método que lhe pareceu o mais apropriado, discutir as características do método mais em detalhe e revisar se a mulher não apresenta condições médicas que estejam classificadas em categoria 3 ou 4 para esse método.
• Facilitar o processo de decisão refletindo sobre as características dos métodos e situação e projeto de vida da usuária (necessidades e metas).
• Discutir a importância da utilização da dupla proteção.
• Durante todo o processo, o/a orientador/a deverá manter uma postura ética, sem influenciar à usuária com opiniões pessoais e respeitar a decisão da usuária.
• Se depois de revisar os critérios médicos não há condições 3 ou 4 para esse método, com a exceção do DIU com cobre e com hormônios, o/a orientador/a pode aceitar que esse é o método escolhido e a mulher pode realizar a consulta para iniciar o método escolhido.
• Em caso que o método escolhido seja o DIU com cobre ou com hormônios, o/a orientador/a deve advertir à usuária de que existe uma possibilidade pequena de que o médico encontre alguma evidência no exame ginecológico que seja uma condição 3 ou 4 para a inserção do DIU.
• Depois da inserção do DIU ou implante ou feita a prescrição do método, a orientação se completa dando as devidas instruções sobre como usar o método e quando deve voltar para as consultas de acompanhamento, incluindo instruções sobre que condições são indicações de voltar ao serviço fora das consultas de rotina marcadas.
• O/a orientador/a deve deixar claro para a mulher que ela tem o direito de voltar sempre que tenha problemas potencialmente relacionados ao método e também poderá solicitar câmbio de método. O direito à eleição livre e informada inclui o direito a trocar de método ou suspender a anticoncepção. - Quem deve fazer a orientação? Características ou qualidades que deve ter um/a bom/boa orientador/a.Qualquer provedor de serviço, desde que esteja capacitado para fazer orientação, pode prover esse serviço. O importante não é qual a profissão da pessoa, senão o fato ter sido capacitado/a para essa labor. Idealmente, a orientação deveria realizar-se antes da consulta, mas quando isso não ocorreu, o/a médico/a ou enfermeiro/a que faz a consulta deve realizar a orientação durante a consulta. Inclusive embora a orientação tenha sido realizada antes da consulta, o profissional que realiza a consulta deve checar que não haja condições que possam fazer o uso do método não recomendável, de acordo aos critérios médicos de elegibilidade da OMS.
É importante insistir que, sem negar que algumas características individuais da pessoa possam determinar que tenham mais aptidões naturais para essa função.
O mais importante é que a pessoa que faz orientação tem que ter sido capacitada para essa função.
Requisitos de um/a bom/boa orientador/a:
• Ter sido capacitado/a especificamente para essa função: (fundamentos e prática da orientação, atendimento de adolescentes, direitos sexuais e direitos reprodutivos e perspectiva de gênero).
• Estar atualizado em tecnologia anticoncepcional, incluindo o mecanismo de ação dos diferentes métodos e saber aplicar os critérios médicos de elegibilidade.
• Ter habilidades de comunicação interpessoal (empatia, assertividade, saber ajudar sem pressionar na tomada de decisões, habilidade no manejo das emoções).
• Estar capacitado/a para ajudar às usuárias a resolver dúvidas sobre sexualidade.
• Incorporar o enfoque de gênero e de empoderamento das usuárias.
• Saber manejar recursos de apoio (Guias, álbuns seriados, modelos anatómicas, amostras dos métodos).
• Ter capacidade para explicar que, para alguns métodos, especialmente DIU com cobre e DIU com hormônios, na consulta antes da inserção poderiam ser identificadas algumas condições que fariam não recomendável o uso do método escolhido.
- Quando fazer a orientação? Quando as pessoas falam ou escrevem sobre a orientação em anticoncepção, em geral, se referem ao processo pelo qual um/a provedor/a de serviço capacitada ajuda à ou ao usuário a decidir sobre que método usar, mas a orientação deve ser realizada também quando o/a usuário/a refere problemas com o uso de um método e, talvez, esteja procurando apoio para decidir se deve seguir usando o método ou seria melhor trocá-lo por outro.
Sempre que a pessoa refere problemas com o método em uso, o provedor deverá discutir a situação com ela e perguntar se quer ou não continuar com o método e, nos casos em que a mulher esteja decidida a cambiar de método, o provedor deverá realizar a orientação para escolher um novo método.
Nos casos em que a mulher decida continuar com o método, a orientação deve ser dirigida a informar o que poderia fazer para diminuir as queixas ou problemas com o método e dar apoio para que faça todas as perguntas que ela tenha sobre o método em uso e reforçar que os provedores estarão sempre à disposição para resolver suas dúvidas e respeitarão sua decisão em caso que ela decida trocar de método ou abandonar a anticoncepção.
O/a orientador/a deve sempre deixar claro para a usuária que, da mesma forma que o serviço ofereceu liberdade para escolher, respeitará sempre a sua liberdade de trocar de método ou deixar de usar método anticoncepcional.